Como o argumento escroto é um parente próximo do senso comum resolvi abrir espaço para um dos truques retóricos mais sujos de todos os tempos, que geralmente surge na boca dos adversários da legalização do aborto (ou, melhor dizendo, do direito da mulher de interromper a gravidez) quando a conversa começa a esquentar.

Por ser grosseira, a questão que dá título a essa postagem tende a transformar o debate em uma troca de impropérios, mas não precisaria ser assim. Vamos analisar friamente a questão:

"E se sua mãe tivesse feito aborto?"

Bom, se ela tivesse feito eu não estaria aqui e esta conversa não estaria acontecendo, o que torna o exercício todo meio fútil. Então talvez o melhor fosse reformular a questão da seguinte forma:

"E se sua mãe tivesse desejado fazer um aborto?"

O que, na boca de um padre(pastor ou qualquer ser tristonho desse nivel) condescendente ou de um debatedor histriônico, sugere que cada pessoa viva, hoje, deveria se sentir profundamente grata pelo fato de a interrupção da gravidez ser considerada ilegal e, em muitos círculos, imoral.

Mas, espere aí. Se isso fosse verdade, então nossos nascimentos teriam ocorrido não por amor, mas por medo da polícia, do inferno ou de ambos. Ser grato pelo complexo legal-cultural que instila esse medo, em detrimento da liberdade da mulher - de nossas mães! -, tem nome: egoísmo descarado.