Finalera de semestre, e sempre na ultima semana (re)surge aquela resenha, que a professor(a) deu na primeira semana de aula e a “gente” esquece durante o semestre.

Pois, pesquisando para escrever a dita resenha me deparo com uma excelente entrevista, no jornal da UNICAMP, com Arquilau Moreira Romão, da Faculdade de Educação, que defendeu a tese de doutorado intitulada Filosofia, educação e esclarecimento: os livros de auto-ajuda para educadores e o consumo de produtos semiculturais. "Encontramos coordenadores que iniciam trabalhos de estudos citando tais autores, vemos a utilização dos textos de auto-ajuda em reuniões de estudo, observamos cópias de textos de auto-ajuda pregados em murais de salas de estudo e encontramos professores em cujas mãos estão postos livros de auto-ajuda", contou Romão.

Livros de autoajuda são o que eu chamo de literatura de maisena. Mata a fome, mas não nutre. Deixa a consciência raquítica e a imaginação, atrofiada. Se alguém me aparecer com a "Pedagogia do Amor", eu mando para o Inferno.

Romão analisou o conteúdo dos bestsellers de autoajuda dirigidos a educadores. O que ele conta não chega a ser novidade, mas é uma síntese muito bem articulada que para mim funcionou como catarse. Selecionei alguns trechos. A entrevista na íntegra está aqui.


Todos iguais

"Ao oferecer receitas prontas e apagar a dúvida e a crítica em torno delas, os livros de auto-ajuda vendem ilusões e fantasias. A mais gritante delas está no fato de propor que todos igualmente têm o mesmo poder na nossa sociedade, sociedade esta crivada de injustiças, assimetrias de poder, diferenças entre classes sociais. Também se promove a inversão de atribuir à pessoa a culpa pelo seu não-poder de realização em todos os sentidos. Enfim, se alguém não alcançar o sucesso, é porque não quer ou porque é incompetente para tal.”.
Soluções particulares

"Os professores, como reféns desse tipo de literatura, acreditam que estão consumindo um saber de última geração, que estão tendo acesso a novas metodologias de ensino, quando, na verdade, estão sendo cooptados pelo que existe de mais sucateado pela ideologia neoliberal, ou seja, por uma ideologia que tenta apregoar a abolição das grandes narrativas, do coletivo e das categorias modernas, impondo a superficialidade, o verniz ralo do individualismo e das soluções particulares e da felicidade dos consumismos da atual indústria cultural.”.

Mero repetidor

"Criar a lógica da mesmice e alimentá-la a cada novo produto faz parte da engrenagem da indústria cultural. Nesse contexto, a arte serve apenas para adestrar o gosto e o consumo, reforçando o lucro dos dominadores, mantendo, no fosso da ignorância, um conjunto amorfo e indiferente de homens eufóricos por consumir e trabalhar para acumular dinheiro para, de novo, consumir, desprovidos do fomento à faculdade crítica. Inferimos que o enfraquecimento da consciência crítica e da razão emancipadora transformou o indivíduo em mero repetidor, ventríloquo da indústria que está sempre pronta a produzir novos objetos de semicultura para o consumo instantâneo.”.

Banalizar o mau gosto

"(...) vários deles [dos livros de autoajuda] marcam a chegada de um tempo em que os manuais, os guias e as cartilhas estão em alta. Parece que essas obras regularizam, normatizam e padronizam comportamentos compatíveis com a felicidade, que longe de erigirem sombras de dúvidas, dissipam-nas. O alarde de soluções, para todos os tipos humanos, todos os conflitos derivados de estados civis, todos os temas, todos os problemas etc, parece-nos ser o trunfo desse tipo de literatura; trunfo este municiado pela semiformação e semicultura capazes de banalizar o mau gosto, disseminar obras rasteiras, vender e fazer consumir pílulas de alienação para que os homens continuem a reproduzir seus papéis sociais sem mudança, sem que a chama da transformação das relações seja alimentada."

Não faço faculdade de educação, nem mesmo alguma licenciatura (já iniciei uma, mas estive longe de terminar :P ). Mas, como na área de saúde pública “lidamos” praticamente com educação para adultos, tenho muito medo quando vejo algum profissional da saúde(ou professor mesmo) ostentando em suas pastas livros de autores como Gabriel Chalita, Augusto Cury ou Içami Tiba. Socorro!